Por Rodrigo Cardoso¹

Na última sexta-feira, 19 de setembro, a Câmara Municipal de Itajuípe exerceu uma função pública muitas vezes negligenciada pelas instituições políticas: cultivar a memória histórica e afirmar valores democráticos. Nessa data, foi devolvido simbolicamente o mandato do vereador Clodualdo Cardoso, cassado após o golpe militar de 1964.

A cerimônia coroou um processo iniciado anos antes, quando o historiador Igor Goes decidiu transformar sua pesquisa acadêmica sobre a trajetória do militante comunista e jornalista — eleito vereador na década de 1960 pelo PTB do então presidente João Goulart — em uma contribuição concreta para inserir sua cidade em uma importante vertente da luta democrática contemporânea.

A reparação histórica a pessoas que tiveram suas vidas políticas, acadêmicas e profissionais interrompidas por regimes autoritários já se consolidou em diferentes casos: parlamentares comunistas constituintes da década de 1940, professores, políticos e estudantes perseguidos pela ditadura militar, e até mesmo o próprio presidente João Goulart.

No caso de Clodualdo Cardoso, tratava-se de um trabalhador engajado nas lutas de seu tempo, que atuou como jornalista responsável pelos jornais ‘O Paladino” e “Tribuna de Itajuípe”. Nessas publicações, defendia interesses populares e direitos dos trabalhadores, especialmente rurais que tinham negados direitos básicos como o salário mínimo. Essa atuação lhe rendeu grande respeito popular, mas também o ódio e as ameaças das elites locais.

A emocionante sessão especial, realizada no auditório do Colégio Polivalente, exibiu o documentário “O Paladino”, produzido por Cícero Bathomarco e João (Jonga) Lucas, que narra a trajetória de Clodualdo, sua cassação pela Câmara e sua prisão pela ditadura. Também expõe o quanto a perseguição política atingiu sua família: o trauma do cárcere, o bullying sofrido por sua filha pequena, as diversas discriminações e retaliações advindas do estigma de ser a “família do comunista”, do “homem que foi preso”.

Em suas falas, Igor Goes e o professor Marcelo Lins, da UESC, ressaltaram a importância histórica do momento, tanto para compreender a cidade de Itajuípe e suas contradições quanto para ampliar o conhecimento sobre algumas características daquele período da história brasileira e suas consequências na região.

O discurso de Clodualdo Filho emocionou o público. Ele homenageou os familiares atingidos pela repressão e relatou inúmeras dificuldades enfrentadas:

Clodualdo Filho.

“Muitas vezes fui constrangido e me impediram, ou tentaram impedir, de entrar em determinados locais apenas por ser filho de Clodualdo, apenas por ser filho de comunista. (…) Cheguei a deixar esta cidade, pois, em um lugar onde todos conhecem a história de todos, já não via perspectiva de vida. Ouvi de uma ex-prefeita que a prefeitura não é lugar para filho de comunista e agitador. (…) Ser comunista significa estar do lado do trabalhador e contra a exploração. (…) Tenho orgulho de ser filho de Clodualdo Cardoso. Viva a democracia! Viva a liberdade de expressão! E para os golpistas, cadeia!”.

Suas palavras foram seguidas por aplausos e gritos de “Sem anistia!”, em clara alusão ao atual momento político, no qual, pela primeira vez na história do Brasil, autores de tentativa de golpe de Estado — inclusive um ex-presidente, almirantes, generais e outros oficiais de alta patente — foram condenados por seus crimes.

A solenidade foi encerrada com a entrega do diploma de vereador aos familiares de Clodualdo e um discurso do presidente da Câmara, que defendeu a democracia e destacou o apoio unânime dos parlamentares à homenagem. Um gesto que permite alimentar a esperança de que as divergências políticas naturais possam ser superadas pelo respeito às diferenças e pelo compromisso com o espírito democrático.

Em suas Teses sobre Feuerbach, Karl Marx escreveu a célebre frase “Os filósofos limitaram-se a interpretar o mundo de diversas maneiras; o que importa é transformá-lo.” Não há dúvida de que a mesma reflexão também se aplica ao trabalho do historiador.

¹ Rodrigo Cardoso
Presidente do PCdoB – Ilhéus