Artigo de Rodrigo Cardoso

A história tem dessas ironias. O Brasil, que presidiu a primeira sessão da Assembleia Geral da ONU em 1946, viu consolidar-se uma tradição que coloca seu Chefe de Estado como o primeiro a discursar nesse fórum internacional. Neste ano, no qual a ONU celebra oito décadas de fundação, essa coincidência ganhou contornos memoráveis. O discurso de Luiz Inácio Lula da Silva entrou para a galeria dos grandes momentos da diplomacia mundial, marcando não apenas a trajetória do Brasil, mas o papel de um líder que fala em nome do Sul Global.
Foi firme sem ser arrogante, contundente sem ser beligerante. Defendeu a soberania brasileira reclamando qualquer tentativa de ingerência externa, reafirmou a legitimidade das instituições democráticas e, de forma pedagógica, explicou ao mundo como o processo contra os golpistas de 8 de janeiro respeitou o devido processo legal — em contraste com regimes autoritários que negam direitos e cultivam a violência política. A mensagem foi clara: a democracia brasileira não se curva, e seu exemplo serve de alerta a aspirantes a autocratas mundo afora.
Destacou o papel vital da ONU e a necessidade de refundar a Organização Mundial do Comércio (OMC), resgatando um equilíbrio que favoreça não apenas potências tradicionais, mas também países em desenvolvimento.
Foi também categórico na condenação ao genocídio em Gaza, lembrando que o atentado terrorista do Hamas não justifica a resposta desproporcional de Israel. Pediu o cessar-fogo imediato, a libertação dos reféns e o reconhecimento internacional do Estado Palestino. Também protestou contra a ausência de Mahmoud Abbas, presidente da Palestina, imposta pelos Estados Unidos. Uma frase histórica ecoou como denúncia e sentença: “Sob toneladas de escombros estão enterradas dezenas de milhares de mulheres e crianças inocentes. Ali também estão sepultados o direito internacional humanitário e o mito da superioridade ética do Ocidente”.
Questões centrais do nosso tempo — meio ambiente, desenvolvimento sustentável, combate à fome, busca pela paz — surgiram encadeadas de forma linear, coerente e estratégica. Um discurso de estadista.
O contraste com o sucessor no púlpito, o presidente Donald Trump, foi devastador. O líder da maior potência mundial parecia perdido em um monólogo caótico, recheado de mentiras, reclamando de teleprompters e escadas rolantes, repetindo números duvidosos e críticas vazias a imigrantes e a países aliados. A fala, que se arrastou por quase uma hora, parecia “conversa de bêbo”. Cheguei a achar que seria um problema de tradução. Mas em todos os canais a impressão era a mesma.
A internet não perdoou: os memes ironizaram não só o tom errático de Trump, mas também a perplexidade da extrema-direita brasileira ao vê-lo elogiar Lula, dizendo ter sentido uma “química positiva”.
Os aplausos traduziram o apoio político a cada discurso. Lula foi interrompido em 7 ou 8 ocasiões, sempre pela quase totalidade da Assembleia. Trump, em contrapartida, ouviu apenas uma manifestação tímida, vinda do solitário representante de Israel.
O simbolismo se completou no dia seguinte, com a ONU publicando imagens de Trump assistindo ao discurso de Lula, e com a manchete do New York Times: “Trump abaixa o tom com o Brasil após discurso contundente de Lula”. A leitura mundial foi unânime: Lula brilhou, elevou o Brasil e consolidou sua posição entre os grandes líderes contemporâneos.
A ONU nasceu de uma guerra, mas sobrevive de esperanças. Em seu aniversário de 80 anos, foi um brasileiro quem mais soube traduzir esse sentimento em palavras. Lula, sem dúvida, entra para a história como um dos maiores estadistas de nosso tempo.
Rodrigo Cardoso
Presidente do PCdoB-Ilhéus
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