Por: Rev. Luciano Campelo

Amados irmãos e irmãs em Cristo,
Paz e Bem!

Neste tempo em que nossa sociedade clama por justiça, igualdade e reconciliação, quero partilhar convosco uma certeza que nasce do coração da fé cristã: Deus é democrático. Sim, o Deus revelado nas Escrituras, o Deus de Jesus Cristo, é um Deus que respeita a liberdade humana, que deseja a participação de todas as pessoas na construção do bem comum, que convoca cada um de nós a ser fermento do Reino de amor, justiça e paz.

A Bíblia nos mostra que Deus criou o ser humano à Sua imagem e semelhança (Gn 1,27). E entre os dons que nos concedeu, destaca-se o livre arbítrio: a liberdade de escolher, de decidir, de participar da história. Não fomos criados como marionetes, mas como seres responsáveis, chamados à comunhão com Ele e com nossos irmãos e irmãs.
“Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade” (2Cor 3,17).

Essa liberdade, no entanto, não é libertinagem. É uma liberdade que se realiza plenamente quando se orienta para o amor. Pois, como nos ensinou o apóstolo João:
“Deus é amor” (1Jo 4,8), e o amor verdadeiro não escraviza, mas liberta. O amor de Deus é fonte de liberdade, justiça e participação. Por isso, a democracia, quando autêntica, é expressão política do amor em sociedade. É nela que se dá espaço à diversidade, ao diálogo, à dignidade de cada pessoa.

A fé anglicana — enraizada na tradição católica, reformada e aberta à razão e à experiência humana — valoriza profundamente a liberdade de consciência, a dignidade da pessoa e a justiça social. Como bem expressa a nossa herança anglicana, a autoridade da fé deve ser sempre equilibrada com a razão e com a experiência vivida pelo povo de Deus. E a experiência nos ensina que não há paz duradoura onde há opressão, onde há exclusão, onde não há democracia.

Na perspectiva da Teologia da Libertação, aprendemos que Deus toma partido: o partido da vida, da justiça, dos pobres, dos oprimidos. Não para excluir os outros, mas para que todos tenham vida, e a tenham em abundância (Jo 10,10). O Reino de Deus é um projeto de libertação integral, que começa aqui e agora, na história, na luta por uma sociedade mais justa, democrática e fraterna.

Frei Leonardo Boff, um dos profetas do nosso tempo, nos lembra:

> “A democracia é a forma política que melhor realiza a liberdade e a igualdade, valores fundamentais do Reino de Deus.”

E não podemos esquecer as palavras sábias do nosso querido Arcebispo Desmond Tutu, farol de esperança e reconciliação na África do Sul e no mundo:

> “Se você é neutro em situações de injustiça, você escolheu o lado do opressor. Se um elefante tem o pé sobre a cauda de um rato, e você diz que é neutro, o rato não vai apreciar sua neutralidade.”

Desmond Tutu nos recorda que a neutralidade diante do racismo, da homofobia, da misoginia, da pobreza e da exclusão é cumplicidade com o pecado. A verdadeira fé cristã nos move a agir com justiça, a praticar o bem, a amar como Jesus amou — sem fazer acepção de pessoas.

Como afirmou Martin Luther King Jr., pastor batista e mártir da liberdade:

> “A injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todo lugar.”

E Dom Helder Câmara, nosso profeta nordestino, nos provoca:

> “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto por que eles são pobres, me chamam de comunista.”

A democracia, amados, não é perfeita. Mas é o terreno onde podemos, com diálogo, respeito e participação, buscar o bem comum, que é sempre superior ao interesse individual. Só haverá paz verdadeira e duradoura quando todos os grupos sociais forem respeitados, quando os direitos de todos forem garantidos, sem qualquer forma de preconceito, discriminação ou exclusão.

Jesus não fundou uma religião elitista, mas uma comunidade de irmãos e irmãs. Ele andava com os pobres, com as mulheres, com os estrangeiros, com os excluídos. Ele nos ensinou:
“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça” (Mt 5,6).
E também:
“Tudo o que fizerdes ao menor dos meus irmãos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).

Portanto, sejamos também nós, irmãos e irmãs do Cristo Libertador, cidadãos comprometidos com uma fé encarnada, ativa e libertadora. Lutemos por uma sociedade onde todos possam viver com dignidade. Que nossa espiritualidade não seja alienada, mas profética, crítica, sensível às dores do mundo.

Concluo com mais uma palavra de Desmond Tutu:

> “Meu cristianismo não me permite ficar em silêncio quando vejo o sofrimento. Minha fé me obriga a agir.”

Que o Espírito Santo nos ilumine, nos fortaleça e nos una neste compromisso com o Reino de Deus, que é justiça, paz e alegria no Espírito (Rm 14,17).
Que a democracia não seja para nós apenas um sistema político, mas um caminho de amor social, onde todos tenham vez, voz e vida plena.

Assim seja. Amém.

* Reverendo Luciano Campelo (Frei Leão de Jesus) é Padre da Igreja Católica Apostólica Anglicana e frade da Ordem Franciscana Anglicana.