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Ex-jogador do Colo-Colo é destaque em reportagem no New York Times

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Baracat NYTThe New York Times

O ex-jogador de futebol que conquistou mais fãs cortando peixe

BOSTON – Às cinco horas de uma manhã fresca de inverno, em um depósito gelado e mal iluminado no distrito portuário de Boston, Baracat Paiva fitou o patudo (espécie de atum) de 90 quilos diante de si e empunhou suas facas.

Paiva, que é tão alto e imponente quanto o peixe morto que encarava, mergulhou a mão protegida por uma luva de pano em água quente para evitar que os dedos ficassem dormentes. Com habilidade, afiou a faca de 20 centímetros em uma pedra antes de enfiá-la no peixe prateado e serrar seu pescoço, e com outra faca, esta maior, removeu o osso. Alguns pedaços de atum espirraram no moletom de capuz e no boné de beisebol, mas ele não se mostrou incomodado.

Em seguida, com um único movimento, deslizou a faca para baixo, seguindo o comprimento do peixe de um lado, e fez outro corte no outro lado. Após outros golpes, ele cuidadosamente tirou a pele da caixa torácica e abriu o peixe, que se dividiu em quatro seções bem organizadas. Ele pegou um dos filés, que tinha uma tonalidade vinho, colocou nos braços como se fosse um bebê e declarou: “Lindo.”

Paiva, o peixeiro que manipula os animais de maior volume no Wulf’s Fish, popular distribuidor de Boston, se tornou uma celebridade em um trabalho que, normalmente, não atrai muita atenção. Os vídeos que posta regularmente no Instagram mostrando seus hábeis cortes têm atraído centenas de milhares de acessos e comentários de admiradores do mundo todo, que são seduzidos pelos movimentos rápidos, graciosos e pelo tamanho superlativo dos peixes que despedaça.

O gosto de Paiva pelo espetáculo é grande também. Ele geralmente inclui uma trilha sonora imperativa ou grita seu slogan: “Bum!” De vez em quando, chega a lamber ou beijar o peixe, ou corta um pequeno pedaço e come – tais recursos dramáticos lhe renderam comparações com Salt Bae, o chef turco (nome verdadeiro: Nusret Gokce) que ficou famoso no universo virtual por salgar filés de maneira brincalhona. Alguns fãs chamam Paiva de “O Bae do filé”.

Muitos de seus seguidores podem ficar surpresos ao descobrir que Paiva, de 37 anos, só foi tocar em uma faca há menos de uma década. Antes, era jogador de futebol no Brasil. Ele, que cresceu cercado por frutos do mar em Ilhéus, cidade costeira baiana, tinha como único interesse o futebol. “Oitenta por cento dos brasileiros são criados com uma bola de futebol nas mãos”, ele contou.

Aos 17 anos, em 1998, Paiva foi descoberto por um olheiro que o chamou para ser goleiro no Colo Colo de Futebol e Regatas, o clube de futebol profissional de sua cidade. Ele era o jogador mais novo do time. “Eu estava vivendo o sonho”, lembrou. Muitas pessoas nessa idade têm o sonho de jogar futebol profissionalmente, além de os times brasileiros serem conhecidos no mundo inteiro. Mas, depois de alguns anos, no auge da carreira, quebrou as costelas ao tentar pegar uma bola; o médico lhe disse que não poderia mais jogar. “Fiquei arrasado”, confessou.

Em 2004, o pai mandou o rapaz para Norwich, em Connecticut, para viver com amigos da família, na esperança de que ele tirasse o futebol da cabeça. Paiva encontrou um trabalho como lavador de pratos no Jasper White’s Summer Shack, restaurante de frutos no mar no cassino Mohegan Sun que ficava na vizinhança. Ele foi sendo promovido até chegar à função de abrir ostras. Um dia, o chefe jogou uma anchova de 45 quilos em cima da bancada e mostrou como cortá-la em filés.

Desossar peixes “era realmente estranho para mim. No Brasil, comemos o animal inteiro, com os ossos, mas aquilo era divertido”, explicou Paiva, que amava frutos do mar. A nova função virou uma obsessão. Ele praticava constantemente, memorizando cada movimento e cada corte, estudando a anatomia de inúmeras espécies. Ele gostou do fato de essa habilidade ter se mostrado a ele de forma diferente do futebol. “Nasci sabendo jogar”, disse, contrapondo que desossar peixes não lhe era inato. “Leva tempo para ficar bom. Você precisa se envolver com aquilo.”

Em 2014, Paiva se mudou para Boston para trabalhar no atacadista de frutos do mar Georges Bank, que, dois anos depois, foi comprado pelo Wulf’s. Como peixeiro no Wulf’s, Paiva lida com espécies de alto valor que são vendidas a chefs de cozinha. No começo de 2017, ele postou um vídeo no Instagram abrindo um linguado, que se tornou viral. Hoje em dia, é filmado regularmente por Cristian Delgado, colega também peixeiro na Wulf’s, ou prende uma câmera GoPro na cabeça.

Paiva costuma falar como se estivesse lendo pôsteres esportivos motivacionais – “A paixão é o que nos move”, “Mantenha-se focado, mantenha-se motivado”. Ele frequentemente repete as mensagens elogiosas que recebe no Instagram. Suas mãos estão cobertas de cortes e cicatrizes – uma espetada no dedo do meio causada pela barbatana de um olho-de-boi, vestígios dos pontos que tomou quando cortou parte do dedão enquanto desossava uma anchova.

Nessa manhã em particular, quando bateram as nove horas, Paiva já tinha despedaçado o patudo de 90 quilos, um peixe-espada de 68 quilos, um atum-rabilho de 136 quilos, um alabote da Groenlândia de 23 quilos, um dourado-do-mar de nove quilos – tudo isso fazendo apenas um pequeno intervalo para tomar o café da manhã: três ovos cozidos e um filé grelhado ao ponto.

A intuição é o principal instrumento de trabalho: ele é capaz de retirar um filé de 23 quilos sem usar a balança. Ele sabe exatamente onde deve enfiar a faca para tirar melhor proveito de cada peixe. Em dado momento, ele despelou um halibute com apenas um golpe sem olhar diretamente para o animal. Mais ou menos na metade da manhã, Paiva se deparou com um salmão inteiro de 68 quilos que deveria ser partido em 300 porções. “Cronometre”, pediu. Em menos de dez minutos, a tarefa estava concluída, cerca de 30 segundos para cada pedaço. Em um dia normal, ele corta entre 450 a 590 quilos de peixe.

A destreza com as facas parece não exigir muito esforço de Paiva. É um dom raro, elogiou Richie Taylor, de 68 anos, que compra frutos do mar da Wulf’s há mais de 40 anos. “A maioria dos peixeiros faz um corte, depois outro, e mais outro, e deixam os ossos da costela na carne”, disse. Já Paiva “tira tudo com um único corte”.

E os fãs não se cansam dele. Hiro Konishi, de 57 anos, chef especializado em sushi no restaurante O Ya Boston (outro cliente do Wulf’s), escreveu em um e-mail que Paiva é “um excelente técnico. Mas o estilo japonês de preparar a comida é mais gentil, ou seja, sem bater no peixe”, ponderou sobre o que vê Paiva fazendo no Instagram. Yvette Villarini, de 42 anos, que tem um canal sobre peixes no YouTube, disse que a dedicação de Paiva é um bom exemplo para jovens profissionais. Ela sempre tenta imitar as técnicas de Paiva, mas sem muito sucesso. “Ele foi lá e pá, pum, estava pronto. Eu destruí o peixe completamente”, revelou.

Villarini tem apenas uma crítica. Ela gostaria que Paiva usasse o Instagram para dar destaque às ameaças ambientais sofridas pela vida marinha. (Paiva disse que um de seus objetivos para 2019 é chamar mais a atenção para a poluição e as mudanças climáticas.)

Max Harvey, de 47 anos, diretor de operações na Wulf’s, disse que não consegue quantificar o impacto de Paiva sobre as vendas, mas que “a mística que o envolve e sua personalidade intensa são tangíveis e ajudam no crescimento”. Nem Paiva nem seu supervisor dizem quanto o trabalho paga, mas o site ZipRecruiter estima que um peixeiro ganhe, em média, 32.500 dólares por ano (cerca de 120 mil reais).

Já faz 15 anos que Paiva não toca em uma bola de futebol e, apesar de já ter se recuperado da lesão, ele não tem mais vontade de jogar. Prefere passar o resto da vida cortando peixe. “Eu estava apaixonado, mas aquele amor acabou. Encontrei uma nova paixão”, declarou.

Por Priya Krishna

Replicado pelo site GAÚCHAZH

 

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