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Para que tanta pressa, Clóvis?

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Arlicélio Paiva

Acredita-se que o homem moderno (Homo sapiens) tenha se originado no leste da África (Quênia, Etiópia, Tanzânia) entre 200.000 – 100.000 anos atrás. De lá, ele se espalhou pelo mundo e sua evolução ocorreu em diferentes regiões do planeta.

Por muito tempo, a única teoria aceita para o povoamento das Américas era de que a migração tenha ocorrido entre 12.000 – 13.000 anos. O fim da era glacial na época permitiu a travessia a pé pelo Estreito de Bering, entre a Sibéria e o Alasca. A descoberta de artefatos como pontas de lança e ferramentas de pedra na região de Clóvis, no Novo México, evidenciou a primeira ocupação humana na América. Os achados passaram a ser referidos como pertencentes à cultura Clóvis, homem de Clóvis ou, simplesmente, Clóvis. Com base na datação por carbono-14 em objetos produzidos pelo homem primitivo, pesquisadores descobriram núcleos de habitações pré-históricas na América do Sul posteriores ao homem de Clóvis.

Assim, acreditava-se que a migração do homem pré-histórico a partir dos Estados Unidos até o Sul da América do Sul ocorreu em um curto período entre 700 a 1.000 anos. Considerando que, durante esse percurso, o povo oriundo de Clóvis teve que se adaptar aos diferentes tipos climáticos; descobrir novos abrigos seguros; identificar novos tipos de alimentos e adaptar o seu paladar a eles; esperar algum membro do seu grupo se recuperar de uma doença ou trauma para que tivesse condições de voltar a caminhar; aguardar que mulheres grávidas, puérperas e recém-nascidos apresentassem condições de seguir em frente; transpor pântanos, rios, vales e cordilheiras, considera-se que o homem de Clóvis migrou apressadamente.

Para que tanta pressa, Clóvis?

Com o passar dos anos, diversos sítios arqueológicos foram descobertos em várias regiões das Américas, evidenciando a chegada do homem primitivo no continente americano muito antes de Clóvis. Dessa forma, a teoria de que Clóvis tenha sido o primeiro humano a pisar na América foi contestada e não é mais aceita no meio científico. Descobertas arqueológicas como evidências de que o homem viveu no Chile (14.800 anos); pegadas humanas no Novo México (entre 23.000 e 21.000 anos); indícios da presença de caçadores de preguiças gigantes no Uruguai (30.000 anos); artefatos de pedra e restos de fogueira produzidos pelo homem na Serra da Capivara, Piauí (26.000 a 32.000 anos); vestígios de que os humanos viveram em uma caverna no México (33.000 anos); material arqueológico resgatado na Serra da Capivara no Piauí (100 mil anos), presença de pedras de martelo e bigornas feitas por humanos na Califórnia (130.000 anos), contribuíram para acabar com o pioneirismo de Clóvis na América.
Vale ressaltar que, cada nova descoberta de evidência de que o Homo sapiens tenha chegado há mais tempo em alguma região, vem sempre acompanhada de muita polêmica. As estruturas encontradas sofreram alterações que dificultam as análises mais apuradas e há sempre dúvidas se elas foram produzidas por humanos ou por elementos da natureza. Além disso, materiais humanos mais antigos, como ossos e dentes, são mais difíceis de serem encontrados e, quando fazem parte de um raro achado arqueológico, apresentam complexidade para se proceder à criteriosa datação. O fóssil humano mais antigo encontrado na América foi o de Luzia (12.000 anos), que viveu na região de Lagoa Santa, Minas Gerais, em uma caverna já destruída pela atividade mineradora. O crânio de Luzia foi parcialmente danificado pelo incêndio ocorrido no Museu Nacional no Rio de Janeiro em 2018.
Mais polêmica ainda é a discussão das possíveis rotas migratórias para a América. A passagem pelo Estreito de Bering é a mais aceita. Porém, alguns estudiosos defendem a possibilidade de que o Oceano Pacífico também tenha sido utilizado pelo homem primitivo para chegar à costa oeste do continente. Uma terceira rota possível seria através do Oceano Atlântico, vindo da África. Há 100.000 anos, data do material encontrado no Piauí, o Atlântico estava 140 m abaixo do nível atual, possibilitando o surgimento de ilhas que teria facilitado a travessia.
No Brasil, estudos coordenados pela arqueóloga, professora e pesquisadora Niède Guidon na Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, Piauí, a partir de 1973, culminaram com a criação do Parque Nacional da Serra da Capivara em 1979. O parque possui a maior concentração de sítios arqueológicos da América e a maior quantidade de artes rupestres do mundo que, pelo elevado valor histórico e cultural, foram declarados pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade. O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) é responsável pela administração do parque e o manejo é feito pela Fundação Museu do Homem Americano (FUMDHAM).
Essa região tem chamado a atenção do mundo inteiro por conter um dos achados arqueológicos mais remotos do continente americano que registram a presença do homem primitivo. Recentemente, o jornal The New York Times recomendou como um dos locais do mundo que valem a pena ser visitados. Além do parque, existem dois importantes museus (administrados pela FUMDHAM) que também deixam os visitantes maravilhados – o Museu do Homem Americano (localizado em São Raimundo Nonato), que expõe a importância do patrimônio cultural deixado pelos povos pré-históricos na região e o Museu da Natureza (situado dentro do Parque Nacional da Serra da Capivara), que mostra desde a criação do universo, passando pelas transformações ocorridas nas eras do gelo, até a presença de espécies primitivas que habitaram a região.
O interessante de tudo isso é que a criação do parque e dos museus, alicerçada pela ciência, cultura e preservação ambiental, possibilitou o desenvolvimento econômico e social da região, com inclusão da população local.
Infelizmente, não se conhece descendentes dos homens primitivos na região, uma vez que eles tiveram o mesmo fim da maioria dos primeiros habitantes, com a chegada dos exploradores europeus no continente americano – foram exterminados.

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