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Carta aos amigos Tupas

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Arlicélio Paiva*

O último Imperador Inca de Vilcabamba, Tupac Amaru II (1738 – 1781), nasceu em Cuzco, Peru, e foi um revolucionário que participou diretamente do processo de independência da América espanhola. Ele foi assassinado pelos espanhóis e inspirou revolucionários em toda a América, como Che Guevara e o Movimento de Liberação Nacional-Tupamaros do Uruguai, conhecido mais por Tupamaros, forma contrativa de Tupac Amaru, cujo membro mais conhecido foi Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai.

Os estudantes do movimento de esquerda da antiga Escola de Agronomia da Universidade Federal da Bahia, localizada em Cruz das Almas, inspirados no movimento revolucionário uruguaio, eram conhecidos como Tupamaros ou, simplesmente, Tupas. Defendiam um mundo mais justo e igualitário. Mergulharam fundo no movimento estudantil, em defesa do ensino público, gratuito e de qualidade. Combatiam as desigualdades agrárias e a estrutura fundiária que privilegiava o latifúndio. Protestavam contra a devastação ambiental e lutavam em defesa de uma agricultura mais saudável e produtora de alimentos de qualidade para alimentar a população.

Para o convívio diário de 600 alunos, com os mais diversos pensamentos políticos e diversidade sociocultural, pertencentes a um único curso, localizado em apenas um campus, eram necessárias várias atividades para desopilar os desgastes da convivência, principalmente as iniciativas culturais, que atingiam o auge nas inesquecíveis “Mostra de Som”. Os Tupas se identificavam mais com as músicas contestatórias, cujas letras e melodias estavam afinadas com as suas causas.

Por falar nisso, ultimamente eu tenho ouvido muito Belchior, cujas canções nos trazem recordações de muitas coisas boas que vivemos naquela época. Por essa razão, eu me dirijo a vocês nesse momento. Muitos desses ideais ainda permanecem no coração de cada um de nós, apesar de “o tempo andou mexendo com a gente, sim”.

Nós éramos estudantes vindos principalmente do interior da Bahia, poucos da capital, e alguns de estados do Nordeste e do Sudeste, fronteiriços com a Bahia – “Eu sou apenas um rapaz latino-americano / Sem dinheiro no banco sem parentes importantes / E vindo do interior”. Todos nós, vislumbrados com a possibilidade de nos tornarmos sujeitos ativos da transformação pessoal e social, procurávamos sempre buscar o lado bom da vida – “Mas trago de cabeça uma canção do rádio / Em que um antigo compositor baiano me dizia / Tudo é divino tudo é maravilhoso”.

O tempo passou e percebemos que a transformação do mundo não seria tão fácil como nós pensávamos. A ganância dos poderosos tentou nos impor um caminho a ser seguido, mas nós continuamos rebeldes e não aceitamos, e dissemos para eles “Saia do meu caminho / Eu prefiro andar sozinho / Deixem que eu decida a minha vida / Não preciso que me digam / De que lado nasce o Sol / Porque bate lá meu coração”.

Foram muitos esforços para tentar nos diminuir, chegamos a esmorecer em algum momento – “Mas sei que tudo é proibido”. Contudo, a nossa reação foi imediata e resolvemos contrariá-los – “Aliás, eu queria dizer que tudo é permitido”.  Por essa razão, continuamos firmes com os nossos propósitos em busca de dias melhores, pois “Eu não esqueço / A felicidade é uma arma quente”.

Nos últimos anos, a situação piorou bastante, principalmente para os menos favorecidos economicamente. Isso nos feriu profundamente – “Vida, pisa devagar, meu coração, cuidado, é frágil”. Mas, nós continuamos determinados, pois “Amar e mudar as coisas me interessa mais”. Por mais que chegássemos a pensar em desistir dos nossos sonhos, lembrávamo-nos dos nossos compromissos que firmamos juntos – “Não quero o que a cabeça pensa, eu quero o que a alma deseja”.

E o que fizemos no ano passado? Foi desesperador! “Se você vier me perguntar por onde andei / No tempo em que você sonhava / De olhos abertos, lhe direi / Amigo, eu me desesperava”. Perdemos mais de 600 mil irmãos por causa da pandemia que foi tratada de forma irresponsável, negligente, de maneira premeditada para causar dor e sofrimento. Ficamos profundamente angustiados! “Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol”. Felizmente, a sociedade reagiu diante de tanto padecimento – “Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro / Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. Continuamos fortes com os nossos propósitos, acreditando e lutando por melhores dias – “Mas não se preocupe, meu amigo / Com os horrores que eu lhe digo”. Pois, “Viver é melhor que sonhar”.

A dor nos tornou mais fortes ainda – “E pela dor eu descobri o poder da alegria / E a certeza de que tenho coisas novas / Coisas novas pra dizer”. Estamos muito entusiasmados com o que pode acontecer – “Você não sente nem vê / Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo / Que uma nova mudança em breve vai acontecer”. Um dos nossos tem grande possibilidade de assumir o comando das decisões – “…o novo sempre vem”.

Algumas vezes, reflito a respeito de tudo que vivemos na Escola de Agronomia, quando saímos de casa ainda jovens para enfrentar a vida longe das nossas famílias. Passamos por muitos momentos que requereram o nosso sacrifício, que era amenizado pela relação de amigos-irmãos, com uns cuidando dos outros. Alguns dos nossos foram recolhidos pelo criador, talvez porque já estivessem prontos para viver na eternidade – “Há tempo, muito tempo / Que eu estou / Longe de casa… / Ouvi dizer num papo / Da rapaziada / Que aquele amigo / Que embarcou comigo / Cheio de esperança e fé / Já se mandou”. Esses deixaram muita saudade!

Para aqueles que duvidaram da nossa capacidade, deixo aqui uma singela mensagem – “E eu quero é que esse canto torto / Feito faca, corte a carne de vocês”.

Eu continuo achando que “Um tango argentino / Me vai bem melhor que um blues”.

*Arlicélio Paiva é Engenheiro Agrônomo (UFBA), Doutor em Solos (UFV) e Professor do Departamento de Ciências Agrárias e Ambientais da UESC, Ilhéus, Bahia. Insta: @arliceliopaiva

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